Encontro com Cayo Honorato
O Cayo Honorato, artista e educador, propôs que conversássemos com ele sobre a Temporada de Projetos na Temporada de Projetos” a partir de uma idéia de “invenção artística”. E sugeriu duas entradas:
1. a de que o projeto possa efetuar, se já não o faz conceitualmente, uma redistribuição de poderes em relação a um comum, nos termos do Rancière [Jacques Rancière, filósofo francês], entre selecionados e não-selecionados, curadores e artistas, etc. 2. a de que ele possa articular de algum modo a condição conceitual e a processual das práticas artísticas contemporâneas, na discussão entre projeto e resultado, sobretudo, levando-se em conta a lógica dominante do formato projeto, a informar um tipo particular de produção, talvez em detrimento de outros.O Cayo achou a nossa proposta bastante relevante e quis saber como ela surgiu. Falamos da ausência de retorno que tínhamos sobre os projetos que elaboramos bem como de uma frustração de quando eles são selecionados. Além disso, explicamos o porquê de termos optado por um projeto de curadoria, apesar de sempre existir uma dúvida de uma “categoria” das coisas que fazemos. O Cayo fez um comentário pertinente a esse respeito, afirmando que são práticas que ainda não têm um lugar específico, e que surgem mas não cabem nesses modelos. O Cayo mesmo lembrou de uma afirmação feita pelo Boris Groys no livro “Art Power“: o novo aparece no mesmo. Falamos também sobre alguns desdobramentos e reações dos artistas e curadores convidados para participar. Sobre as circunstâncias atuais do “pensamento projetual” em geral, o Cayo se referiu a uma “neurose” que se expressa num frequente desacordo entre intenção e realização, vontade e ato, sentimento e acontecimento. Sobre isso, lembramos da conversa que tivemos com o Groys e de uma noção de dissincronia, entre projeto e realização, na qual ele se refere num texto que nos enviou ainda não publicado. Segundo a fala do Cayo, “pro-jetar significa ‘lançar adiante’, o que implica uma decisão inicial e uma indeterminação final”, porém “por vezes nos esquecemos disso, acreditando que o sentido está no fim.” E apontou que “disso decorrem tantos perigos objetivos, mas para ficarmos com uma dimensão apenas do equívoco: segundo Hannah Arendt, ‘nem a liberdade nem qualquer outro significado podem ser jamais o produto de uma atividade humana no sentido de que a mesa é, evidentemente, o produto final da atividade do carpinteiro’ (in: entre o passado e o futuro, p. 113). Enfim, é nesse intervalo deslizante que se move a consecução de um projeto – o que levanta questões políticas e históricas, além de estéticas.” Durante a conversa, outra questão foi debatida a partir da provocação do Cayo: “o modelo de editais e seleção de projetos muda a arte?”. Como essa lógica determina um tipo de arte, privilegiando um tipo de produção? Acreditamos que a pergunta do Cayo é válida e não tem ainda uma resposta satisfatória, mas que pode ser explorarada desde já e também nos encontros que planejamos para a Temporada de Projetos na Temporada de Projetos. De fato existem tipos de produção que se adequam ao formato de projeto facilmente, como os trabalhos de fotografia em que o que geralmente varia entre projeto e obra é o tamanho das fotos. Ou seja, o trabalho pode ser visto claramente no projeto. Comentamos também a exigência dos editais por um formato específico de projeto que de certo modo pode definir algumas características do trabalho. Por exemplo, muitos editais pedem a classificação da obra (pintura, escultura, gravura, fotografia, novas mídias, etc.) ou um dado número de fotos de trabalhos diferentes, coisas que nem sempre todo artista tem claro ou que todo trabalho pode ser adequado. Além disso, os formatos nos quais os projetos são aceitos raramente se estendem para além do texto impresso, sendo que, não poucas vezes, há até limitações no tamanho e tipo do papel a ser usado! Lembramos que falta uma noção mais clara do que é um projeto, qual deve ser o seu escopo, seu objetivo como projeto. Particularmente consideramos que o projeto pode ser encarado como uma proposta inicial, que não necessariamente indica o que vai ser ser feito passo-a-passo. Muitas vezes existe muito tempo entre o momento da elaboração do projeto e a realização dele; ou seja, há muito tempo para que as coisas mudem (bastante). Mas acreditamos que isso não passa de uma consideração particular e que certamente pode ser abordada de muitas outras formas, não só por artistas ou curadores, mas, mais importante, por membros de júris que analisam projetos; que podem, por exemplo, esperar que o projeto seja uma descrição absolutamente fiel do que vai ser realizado quando aprovado (como é esperado em diversas outras áreas de produção humana que envolvem prestação de serviços para um cliente, como, por exemplo, costuma ocorrer na arquitetura). Por fim, em decorrência de uma pensamento que surgiu após o encontro com Milton Sogabe, discutimos a idéia do “novo”, do ineditismo, ou da originalidade, que são, mais do que qualidades, critérios cobrados por esse modelo. Assim, por esse modelo, a arte estaria então atrelada à idéia do novo. As instituições, para sua promoção, querem algo novo bem como também esperam um determinado tipo de produção. E chegamos a um mar sem fim sobre essa idéia. Lembramos do trabalho da Sturtevant, no qual o “novo” está na cópia do “velho”, ou seja, um novo que não é novo; o Cayo lembrou da Sherrie Levine e o seu “After Waker Evans“. Ambas são um exemplo de que o novo aparece no mesmo… Indiferentemente de como o novo surge, parece que ele é mesmo um critério para que haja interesse sobre um trabalho, o que faz da originalidade uma característica que permanece na arte.