‘Folha de S. Paulo’ feita a mão

'Folha de São Paulo' feita a mão

Esclarecimento

Essa imagem possui dois elementos principais que permitem a compreensão da motivação para que fosse feita: primeiro ela é, claramente, um desenho feito a mão; segundo, e isso pode não ser muito claro pra quem não mora no Brasil (ou em São Paulo), ela representa a primeira página de um grande jornal local. Isolados esses dois elementos já é possível ter uma idéia das questões que vão ser levantadas, especialmente se levarmos em conta o fato da imagem estar sendo publicada nesse espaço. (Quero deixar bem claro que a edição específica escolhida para o desenho não interessa muito, não houve intenção de abordar as notícias ou o contexto apresentados no jornal).

O fato de o desenho ser feito a mão evoca as relações complicadas (e muitas vezes altamente simplificadas de maneira dualística) entre homem e máquina e as criações geradas por essas relações. Mais especificamente, me interessam as relações mediadas por computadores em oposição àquelas mediadas por meios tangíveis, nesse caso: blogs em oposição a jornais (ou mesmo periódicos impressos em geral). São de particular importância os fatos de blogs poderem ser criados por pessoas quaisquer, serem tendenciosos e parciais e, mais ainda, serem abertos a discussões. É através dessas discussões que os blogs incentivam interações diretas, ainda que bastante limitadas, já que blogs existem num meio ao qual muitas pessoas ainda não tem acesso.

Jornais, por outro lado, estão em toda a parte e não provêem canais tão diretos de comunicação (entre quem escreve e quem lê). Talvez seja por isso que eles adquiriram um caráter quase sobre-humano, que chega a reger o quê, quando e como devemos pensar. A seriedade que envolve os jornais, conferida tanto pela sua apresentação quanto pelos temas que abordam, fazem com que pareçam muito mais distantes das pessoas, quase inteiramente feitos por máquinas e com a intenção de revelar uma espécie de verdade absoluta. O jornal deve convencer o leitor que a sua leitura é valiosa e útil (isso, é claro, também está associado ao fato de jornais serem produtos, que devem ser vendidos e comprados). É exatamente o jogo entre a importância do que é apresentado no jornal e o fato de sabermos que são o resultado do pensamento de pessoas que evidencia caminhos para sua desconstrução, por exemplo: torna-se óbvio que jornais também são tendenciosos e parciais, já que são o produto de quem os faz. Os jornais carregam uma contradição entre sua proposta (evidenciar fatos) e o modo de alcançá-la (uma análise da realidade levada a cabo por pessoas).

Essa contradição, obviamente, não é evidenciada pelos próprios jornais: um jornal não publicaria uma edição com uma capa inteiramente feita a mão. Essa impossibilidade não é resultado de dificuldades técnicas: uma equipe muito mais capacitada que eu poderia fazer esse desenho (e de forma muito mais interessante). O problema é que o desenho de uma capa feita a mão não faria sentido em um jornal. E esse é um aspecto importante da discussão que quero levantar: quais são as coisas que fazem sentido em um jornal? Quais são as coisas que fazem sentido em um blog? Como é que as limitações envolvidas na criação de cada um deles determinam seus conteúdos?

A liberdade de tópicos que podem ser abordados em um blog é inegável: não há editor, não há necessidade de revisar conteúdo, praticamente não há fronteiras nem necessidade de agradar a ninguém. Isso é uma grande evidência de um certo egoísmo que permeia a existência dos blogs; apesar deles serem vistos e pensados como uma maneira de aproximar pessoas. Não que os jornais não tenham esse egoísmo, mas eles costumam ser muito mais ligados à uma ideologia, à uma conduta corporativa que dita mais ou menos uma forma de pensamento. De certa forma, jornais expressam um “egoísmo coletivo”, já que se preocupam com aquilo que importa a todos os seus leitores/compradores.

Quando comparamos jornais e blogs, uma outra grande diferença que podemos notar é que blogs mudam, ou seja, eles podem mudar (e muito) as idéias que apresentam de acordo com a disposição e flexibilidade que o autor confere a si mesmo (correndo o risco de perder seu crédito). Blogs são fluidos, eles estão em constante transformação, o próprio meio no qual existem permite que sejam modificados de uma maneira inacessível para jornais: uma vez que um artigo é publicado em um jornal não há como voltar atrás a não ser publicando um outro artigo; por outro lado sempre é possível modificar (ou mesmo apagar) uma entrada em um blog.

Todos esses fatores nos levam a questionar aquilo que nos é apresentado em blogs, eles evocam dúvida quanto a veracidade do que expõem, e a dúvida é um incentivo ao pensamento, à independência. Ao invés de ser bombardeado através de um maço de papel por uma quantidade enorme de informação, que deve ser incorporada e preparada para ser reproduzida em ocasiões apropriadas, blogs requerem mais diretamente que o leitor se posicione em relação ao que lê (e escolhe ler) e forme suas próprias opiniões.

Até este texto é uma evidência de alguns desses aspectos, por exemplo: quando digo que os jornais “adquiriram um caráter quase sobre-humano (…) com a intenção de revelar uma espécie de verdade absoluta” surgem algumas questões como: em que contexto isso é verdade? Para quem? Será que é verdade? Eu mesmo não estou completamente certo de uma afirmação tão categórica (o que nos leva de volta às conclusões do penúltimo parágrafo).

Assim, ao apresentar em um blog uma imagem feita a mão que representa a primeira página de um jornal nos expomos a uma série de questões e contradições nas quais as formas e meios em que esses três elementos existem e se expressam, nos levando a (re)avaliá-los.

Imagem com resolução ainda maior disponível aqui.
[Algumas dessas idéias já foram abordadas por ângulos diferentes em outros lugares]

rhwinter, 23 de March de 2007
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Comentários

ah mano… !

tem uma diferença fundamental na sua comparação de blog com jornal.
Jornal se assemelharia, e seria mais adequadamente comparado, a um blog coletivo.
Com uma política editorial (seja como for) e um ‘grupo’ de pessoas que se juntam para formar uma entidade, e essa entidade passa a ter uma ‘opinião’.

Imagine a folha de são paulo como um grande agregador de blogs, tendo
o Otário Frias Filho da Puta como moderador geral da parada. Os blogs
continuariam tendo a maleabilidade de blogs, mas a opinião, a verdade,
continua na mão da folha de são paulo.

não sei onde vc quer chegar desenhando capas de jornal, meu garouto, mas se quer ter um assunto pra falar… funcionou!

Comentário by Uirá — 27 de March de 2007 @ 13:25

Vale comentar com um texto inteiro? Seu post e links me fizeram pensar um tanto…aí vai:

Engraçado que antes de ler-te abri a imagem em maior definição e dei uma olhada naquele jornal; o do “dia do buraco”, como foi chamado lá na firma onde trabalho…dia histórico, aliás : foi numa sexta feira e todos tiveram de dar plantões, trabalhar 14 horas por dia nos dois dias seguintes – bem os do final de semana! E como eu não estava em Sampa quando aquilo tudo aconteceu, parei pra dar uma olhada e curtir o efeito que o grafite faz nagente… pensei que aquele tipo de assunto, para que seja apresentado em pouco tempo como exige a curiosidade e a necessidade de transporte da população, tem de ser pesquisado, entendido e costurado por uma equipe muito coesa…e grande…principalmente se for para tratar desse assunto em linguagem audiovisual!

Aí li que a escolha do dia do jornal não tinha nenhuma importância, hehe.
Não que o suporte em papel influencie isso de forma alguma, mas é a maneira que já temos organizada por aqui de coordenar pessoas pagas para tratar de um assunto definido pela necessidade da cidade, neste caso, ou pela vontade da empresa,como em tantos outros casos… Infelizmente tenho uma vivência muito restrita do mundo blogueiro pra me arvorar à fazer comparações, então fico aqui como representante do outro lado…blogs, ao contrário da parte factual dos jornais, nos dão a sensação clara de que por trás de cada texto escrito há uma pessoa pensando… a certeza de que cada pessoa traz no seu texto seu ponto de vista particular, tão particular como o nosso próprio;

E essa percepção, educada pelo blog, se estende para o jornal, no qual percebemos que por mais que o cara siga o manual de estilo da Folha, ainda assim seu ponto de vista é tão válido quanto o meu ou o seu. O texto de um jornalista , quando lido no veículo onde trabalha, quase que obrigatoriamente leva na escolha ângulo e estrutura a opinião e os interesses da empresa que lhe paga o salário, e por isso o jornal parece ser uma máquina de opiniões e fatos e não um coletivo de pessoas plurais.

Claro que há assuntos nos quais a opinião da empresa não influencia; não negativamente pelo menos…mas quando essas mesmas pessoas e todas as outras, com o mesmo destaque, falam sobre esses assuntos e vários outros pelos quais elas se interessam muito mais, pois puderam escolhê-los, em blogs – sem linhas editoriais dadas, sem espaço restrito, com possibilidades de que lê comentar…fica com certeza mais rico…Ih, me perdi…acho que esse foi maior comentário da minha vida, hehe…mas enfim, pra falar de fatos grandes como o do dia que você escolheu, freud explica, aleatoriamente, estrutura é necessária…bastante gente e dinheiro pra acontecer…pra tratar por vezes de coisas que interessam à maioria, como neste caso…e com essa desculpa levar mais dois quilos de papel importado ( sim, importado!! Só o custo do papel de um jornal como a Folha é de R$ 4,50) pra dentro da casa do assinante, muita publicidade e um algumas matérias cruciais ( afora o tom geral) que tentam plasmar a visão política da empresa no leitor como se fosse a única possível…

Comentário by Laura — 29 de March de 2007 @ 11:35

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