O princípio das dúvidas

Voltei ao CBB, dessa vez para um encontro com a coordenadora pedagógica da Cultura Inglesa, Lizika Goldchleger. Como das outras vezes, tanto a Carolina Faria quanto o Laerte Martin de Mello estavam presentes (na realidade o encontro foi agendado através deles). O objetivo era explicar à Lizika quais são as idéias do projeto e como ele pretende envolver os professores da Cultura Inglesa através de atividades em sala da aula com os alunos.

Comecei mostrando o projeto original enviado ao Festival e explicando que o regulamento do Festival requer um projeto que tenha alguma relação com a cultura inglesa, seja pela obra de um artista específico ou algum traço dela (e como isso acontece no caso de “One & Three Words”, que, além de lidar com a língua inglesa, referencia o grupo Art & Language).

Para facilitar a contextualização de “One & Three Words” acabei dando um panorama histórico bastante resumido do que seria aquilo que se chama de arte “Conceitual”: a relação que existe entre esse termo e obras baseadas em palavras; como essas obras surgiram, entre outras coisas, como uma tentativa de expandir os limites do que se costuma chamar de arte Moderna (que lida essencialmente com a busca de prazeres estético e da “arte pela arte”); a crítica que receberam por isso e como todo esse trajeto histórico vem sendo, de alguma forma, redesenhado. O exemplo que usei para ilustrar o que falava, que é certamente o mais icônico e também bastante útil para focar nas características que interessam a “One & Three Words” é, obviamente, “One and Three Chairs“, da série Proto-Investigations do Joseph Kosuth. O ponto principal que comentei foi o próprio posicionamento do Kosuth e sua filiação com correntes de pensamento positivistas e a concepção ideal de arte, através da obra de arte “analítica”, que se assemelha muito a “arte pela arte”. Enfim, algo bastante resumido mesmo.

Dentro desse panorama trouxe algumas considerações sobre a própria Cultura Inglesa, onde estudei durante seis anos. Desde aquela época e, não surpreendentemente, até hoje a escola se preocupa bastante com prover um ensino baseado no uso de ferramentas tecnológicas (computador, internet, video, som, etc.), como atesta o folder que havia encontrado minutos antes na sala de espera do CBB — na internet, um recurso bastante promovido nesse sentido é o e-campus.

É nesse contexto que surge a importância de utilizar um serviço do Google, o Google Tradutor, como base da pesquisa do projeto. Isto é, nada mais adequado que a Cultura Inglesa, escola de ensino de inglês que tem forte ligação com esse tipo de ferramentas, ser o palco de uma abordagem crítica delas.

Por meio de alguns exemplos de trípticos, levantei um ponto que me interessa pensar que é o fato de, no trabalho original do Kosuth, os verbetes de dicionário serem apresentados descontextualizados, isto é, sem que saibamos de qual dicionário vieram, como se aquela definição fosse algo perene. É por isso que a minha escolha, ao contrário do Kosuth, é por usar fotos de verbetes de dicionário, e fotos que deixem mais clara a existência de um contexto para cada verbete, ou seja, através das características do dicionário de onde ele foi retirado como a tipografia, o papel e outras indicações, esclarecer que os verbetes não existem fora de dicionários específicos, escritos para fins específicos, por pessoas específicas e assim por diante.

Seguindo adiante, expliquei também como há outros contextos que me interessa explorar. Ou seja, que o dicionário é apenas um “nível” de contexto e para a proposta do Festival há outros níveis. Um outro deles seria a intenção de colocar os trípticos nas unidades da Cultura Inglesa.

Além dessa ‘intervenção’, a proposta inicial para o espaço expositivo também gera um outro contexto, no qual o visitante da exposição é convidado a transcorrer o processo de produção dos trípticos, mas com a liberdade de fazer uma exploração que possa levá-lo a outros lugares também, diferentes da proposta inicial. A intenção não é estabelecer uma regra de conduta dentro da qual o público deva atuar, mas sim uma estrutura bastante geral motivada por dúvidas geradas no contato com qualquer parte da obra. O objetivo é extrapolar o fato de que é o público quem faz o trabalho, quem faz as escolhas e decisões de como fazer o trabalho (e também deixar claro que houve alguém, eu, que fez as escolhas e decisões daquelas partes do trabalho que estão expostas).

Foi nesse momento que surgiu uma importante dúvida da Lizika, que é muito interessante até para se pensar o papel reservado ao artista e à produção artística; na realidade ela se surpreendeu com essa abertura da proposta e perguntou o que aconteceria então caso o visitante não chegasse à mesma conclusão que eu teria chegado, algo que minaria a proposta do trabalho, fazendo-o perder o seu sentido. Expliquei a ela que a idéia não é propor uma conclusão, uma afirmação ou um conteúdo, mas sim uma estrutura de pensamento, de consciência de contexto, uma tentativa de conscientização ativa do público. Levantar uma dúvida e uma estrutura sobre a qual possa ser possível montar pensamentos, mesmo que eles sejam diferentes do que eu tive quando realizei o projeto. Sendo assim, não me interessa que o visitante chegue nas mesmas conclusões que eu, nem me interessa ilustrar as minhas conclusões de maneira que o visitante possa acessá-las. O ponto principal é permitir ao visitante criar o seu conteúdo, criar a obra para si mesmo.

É por isso também que, para as atividades junto aos professores, não me interessa impor a eles quais ações especificas cada um deles deve desenvolver. Essa foi a segunda dúvida da Lizika, que se preocupou com como orientar ou assegurar o professor de que ele estaria trabalhando dentro da proposta do trabalho. A resposta mais simples é que isso não será possível nem buscado. Cada professor será livre para desenvolver a sua própria atividade, por meio do contato com os trípticos nas unidades e também do encontro previsto no projeto inicial. Como um visitante, o professor também terá a abertura para criar a sua própria proposta, seja ela diretamente alinhada ou não com o sentido do projeto. O resultado dessa ação não pode ser previsto de antemão, assim como não podem ser previstas de antemão as reações do público em geral. E, como o Laerte notou, é através dessa possibilidade de abertura que surge uma contraposição ao tipo de proposta fechada realizada pelo Kosuth (por exemplo).

Mais ainda, dada a maneira como se desenvolve o projeto, expliquei a ela que a realização dessas atividades não implica no sucesso da proposta e, em contrapartida, mesmo que nenhuma atividade seja realizada o projeto não terá “fracassado”, já que essa duas possibilidades guardam interesse e não são objetivos a priori. Por exemplo, caso nenhuma atividade ocorra com os alunos pode ser interessante, entre outras coisas, tentar entender o porquê de nenhuma atividade ter sido gerada. Ou seja, o processo de tentativa, que é o que mais importa no projeto, terá ocorrido e ele poderá ser explorado em qualquer caso. E, a própria Lizika adicionou, só o encontro com os professores pode ser visto como uma alimentação cultural importante para a sua prática, independente do fato de ele repassar isso para o aluno ou não.

Comentei também sobre o “terceiro” espaço do projeto, o site. Além de utilizar a galeria do CBB e as escolas da Cultura Inglesa, qualquer resultado desse processo pode interagir e voltar ao espaço do site, seja na forma de relatos, imagens, textos ou qualquer outro formato que venha a ser gerado.

Expliquei também que havia marcado esse encontro não só para explicar a ela o projeto e a maneira como pensava fazê-lo funcionar, mas também para pedir uma ementa dos cursos da cultura, que pode ajudar a pensar algumas possibilidades de atividades. Terminamos com uma definição de próximos passos dada pelo Laerte: pensar como será a maneira ideal de estabelecer o contato inicial com os professores e depois passar a definir datas.

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Nenhum comentário em “O princípio das dúvidas”

  1. One and Three Words — Processo » Blog Archive » O Processo do processo Says:

    [...] de ter um site atrelado ao projeto me pareceu natural desde que comentei sobre essa possibilidade na primeira reunião com o pessoal do Festival. E, dentro dele, ter esse blog é algo que foi me agradando aos poucos. [...]

  2. One and Three Words — Processo » Blog Archive » Ementas Says:

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