Encontro com Boris Groys
ZKM (Zentrum für Kunst und Medientechnologie), em Karlshure, Alemanha, onde ocorria uma exposição organizada pelo curador, crítico e filósofo alemão Boris Groys, chamada “Medium Religium“. A exposição foi inspirada em um vídeo realizado pelo Groys, também chamado “Medium Religium”, que se encontrava exposto entre as obras. Usando exemplos de vídeos de propaganda religiosa e de trabalhos de artistas contemporâneos a exposição busca demonstrar o aspecto midiático das diversas religiões existentes hoje.
Fizemos uma visita rápida à exposição pois havíamos marcado um encontro com o Professor Groys e chegaríamos atrasados se tivéssemos visto tudo com calma.
No lobby central do ZKM, as 15h00 de um sábado, encontramos com o Professor Groys. De porte grande, olhos azuis, cabelos grisalhos suavemente arrumados em um topete, e vestindo um blazer sobre uma camisa. Logo ao nos conhecer a reação foi de surpresa, provavelmente ao ver que somos realmente jovens, já que foi a primeira vez que nos vimos e talvez ele estivesse esperando curadores, digamos, mais “curadores”.
Depois de uma breve apresentação, ele nos convidou — e aceitamos — para uma visita à exposição. A atendente da bilheteria nos devolveu os €uros que havíamos pago para ver a exposição pela primeira vez e nós seguimos o Professor Groys.
No caminho para a exposição, pelos longos e espaçosos corredores do ZKM, ele nos contou sobre a origem do ZKM, em 1989, onde ele também é professor.
Na visita — ele foi nos guiando começando pelo o que ainda não havíamos visto — Groys comentou os trabalhos que achava mais relevantes. Nos contou um pouco sobre o processo da seleção dos trabalhos, que havia começado há muitos anos quando ele trabalhava numa instituição em Israel. Ele também comentou sobre o largo escopo de participantes da exposição, que incluía não só trabalhos de artistas de renome internacional, mas também um seu, de outros intelectuais, de alguns de seus estudantes e também de “não”-artistas. Ficamos surpresos em saber que foi nessa exposição que o artista Gregor Schneider teria a oportunidade e apoio legal para executar o trabalho em que um voluntário morreria na exposição, mas Schneider acabou entrando na seção de documentação da exposição com outro projeto.
Após a visita à exposição sentamos com o Groys para tomar um café e conversar sobre a Temporada de Projetos na Temporada de Projetos. Já que ele confessou não ter lido a versão em inglês que lhe enviáramos por email há alguns dias, contamos detalhadamente o projeto. Ele ficou interessado e disse que havia escrito um texto sobre a elaboração de projetos que ele imaginava se relacionaria muito bem com a nossa proposta.
Um dos primeiros comentários sobre nossa proposta que ele esboçou foi um aspecto que ele chamou de “crueldade” da nossa parte, já que não deixaríamos os artistas “perderem” aquilo que queriam, estaríamos negamos o direito dos artistas de “falharem”.
Lembrou-se de uma pesquisa de opinião pública na qual norte-americanos de classes baixas recusavam uma proposta da então candidata a presidente Hillary Clinton segundo a qual os cidadãos mais abastados pagariam mais impostos para serem revertidos em planos de saúde aos mais pobres. De acordo com Groys, a pesquisa apontava que as classes mais baixas, numa curiosa inversão, recusava a proposta ao considerar um cenário hipotético em que eles se tornassem mais ricos e então tivessem que pagar aos membros de sua classe anterior. A questão se torna complexa pois de uma projeção futura irreal surge um descontentamento com uma situação presente e real. Dentro desse contexto, Groys levantou a possibilidade de algumas recusas a participação na Temporada de Projetos na Temporada de Projetos se darem pelo desconforto que um aceite poderia gerar nos artistas selecionados.
Em seguida, sobre a idéia do fracasso, afirmou que acredita que o projeto que falha pode ser até mais interessante que o projeto realizado, pois quando realizado o processo acaba e é “engolido” pelo produto, resume-se apenas ao produto final. O projeto que falha, segundo ele, tem o valor do processo (coisa que realmente sobra). Complementou dizendo ainda que a vida das pessoas é um projeto que falha, pois ela termina na morte, e assim deveríamos pensar a vida como processo e não como os produtos gerados por ela*.
Citamos algumas reações que apareceram ao projeto por parte dos artistas convidados para participar da Temporada de Projetos na Temporada de Projetos e ele sugeriu que publicássemos nosso diálogo com esses artistas pois seria um material muito rico para entender o processo.
Após falarmos desse que acreditamos ser o modelo de produção artística brasileira, mediado por salões de arte, Groys nos falou da situação dominante nos EUA e da Europa, onde os artistas tomam uma de duas direções — ou seguem um de dois modelos — básicas e bem contrastantes: o mercado de arte (venda de obras, muito mais freqüente nos EUA) e o “scholarship” (sistema de bolsas, residências, e outros tipos de incentivos para formação).
Quando falamos da intenção de realizar encontros dentro da exposição e, através deles, explorar formatos diferentes de palestras Groys comentou sobre a sua pesquisa nessa área e compartilhou o nosso descontentamento com esse formato fechado e difundido palestrante-microfone-mediador-público.
Por fim, o Groys sugeriu que falássemos com Anton Vidokle, já que ele também se interessaria muito pelo nosso projeto.
No dia seguinte Groys nos enviou um texto bastante reflexivo sobre a vida entre projetos: “The loneliness of the project”.
[*] – Groys nos presenteou com o vídeo de sua autoria “Thinking in Loop” que busca pensar o filme como mídia. Uma das questões interessantes que ele trata é a relação com a noção de imortalidade, afirmando que as pessoas planejam (projetam) suas vidas para deixarem um legado após a morte; e também que a vida dos objetos de arte dentro dos museus é uma vida após a morte.
Fomos ao