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Seminários de Curadoria: Lisette Lagnado e Ricardo Basbaum

A curadora e professora Dra. Lisette Lagnado organiza semestralmente na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, um seminário sobre curadoria, no qual já passaram Paulo Herkenhoff e Adriano Pedrosa. Na sua terceira edição o convidado foi o artista-etc Ricardo Basbaum, dando ênfase em exposições organizadas por artistas que assumem um papel comumente reservado ao crítico. Uma das características mais interessantes dos seminários organizados pela Lisette Lagnado é o formato de como esses encontros são realizados. Esse é inclusive um dos motivos pelo qual nos interessava a participação dela na Temporada de Projetos na Temporada de Projetos (infelizmente ela não poderá participar por conta de um compromisso no fim do segundo semestre). O seminário está estruturado em duas partes. Na primeira, Lagnado entrevista o convidado. Essa entrevista é resultado de 2 ou 3 meses de conversas entre os dois, bem ensaiada, mas durante a apresentação permite naturalidade e espontaneidade. Após um intervalo, a segunda parte é aberta para perguntas elaboradas pelo público, sendo que as perguntas são enviadas à mesa na forma escrita (em pequenos papéis) após o final da primeira parte e antes do início da segunda (o que permite à Lisette organizar/agrupar as perguntas). Toda a conversa é transcrita e divulgada na edição seguinte da revista Marcelina. Ocorrendo 2 vezes ao ano, há bastante preparo para cada encontro, o que fortalece a sua efetivação. O seminário com Basbaum iniciou às 17hs e terminou às 21hs, do dia 16 de junho. Lagnado começou afirmando que “todo curador deve ser um crítico”, deve ter “responsabilidade intelectual fora dos museus”, e não ser um “simples produtor “. E lançou a pergunta: “como pertencer ao circuito [como produtor de "objetos" artísticos] e criticar ao mesmo tempo?”. Basbaum falou que o problema de produzir uma obra, no seu caso se inicia com a questão do discurso crítico, mais do que a questão da curadoria, como em reação à um vazio do circuito por meio do esforço de produzir comentários críticos que de outra maneira não existiriam. Isso, para Basbaum, instrumentaliza a posição do artista, no sentido de sentar numa mesa de negociações não apenas com a obra mas também em relação à outros elementos. Só depois isso se agrega à perspectiva curatorial, no sentido de organizar situações, eventos, publicações.
Curating Comics

Basbaum explicou o termo do artista-etc: o artista como curador, como crítico, e como agenciador. Para ele, estar dentro e estar fora é assumir que não existe distanciamento crítico seguro, e que sempre há uma demarcação de posições, e que nada mais é próximo da atividade do artista do que demarcar essa posição enquanto um produtor ligado a uma certa poética, à um jogo crítico conceitual histórico, e carregá-las também seja para qualquer atividade que for feita: para um gesto curatorial, critico, etc, e a partir daí criar um campo de ação. Basbaum, respondendo ainda a primeira provocação, falou que não existe mais somente o contato sensorial com a obra, no sentido de uma relação imediata, que a pureza da espontaneidade imediata não existe mais, e que há mediação o tempo todo. E afirmou que é na disputa entre mediação e imediação que reside a tensão entre a curadoria e a produção da obra, e mesmo o estar dentro e estar fora. Lagnado citou o texto do Boris Groys em que ele afirma que “o curador seria um artista secularizado”, ateu, e que ela se interessou por essa possibilidade de entender uma espécie de secularização de um lugar ou posição. Ligada a primeira pergunta, Lagnado colocou o fato de Basbaum ser um não-pintor da geração de 80, geralmente referenciada como a geração da pintura. Essa colocação voltou várias vezes ao longo do seminário, inclusive nas perguntas. Basbaum retrucou afirmando que a idéia de “geração é muito vaga” e que a geração de 80 é mais um fenômeno cultural do que artístico, e que ele se posicionou criticamente  à essa idéia. Aqui, é interessante comentar que o problema de rotular uma geração, como o caso da geração 80, continua existindo hoje: a geração de 80 ainda é a geração da pintura e as gerações seguintes também vão recebendo rótulos. Isso se tornou mais claro quando, após o seminário, ocorreu a abertura do prêmio “Energias da Arte” , no Instituto Tomie Ohtake, que consistia numa exposição coletiva de trabalhos de jovens artistas, selecionados por meio de uma convocação pública. De quase 400 projetos, cerca de 21 foram selecionados para a exposição e 3 receberam um prêmio na noite da abertura. A grande parte das obras expostas respeitavam em grande medida os limites de uma tradicional mostra de Belas Artes, isto é, eram principalmente trabalhos bidimensionais, como fotografias, pinturas e colagens. Ou seja, uma produção contemporânea significativa, que não se dá nos moldes e limites da sala de exposição, fica fora da definição dessa geração, de nascidos após 1981, focalizada pelo programa do Tomie Ohtake. Entre outros assuntos colocados no seminário estava a definição do que é “arte conceitual” e “conceitualismo”, a separação da arte conceitual histórica (que, segundo Basbaum, ainda é entendida muito em relação a um contexto anglo-saxão histórico muito específico) e práticas que existem hoje e recebem esses rótulos, e que o fato das duas últimas bienais foram chamadas de conceituais. Durante a pergunta, a Lagnado explicou: “Quando afirmo que o curador é antes de mais nada um sujeito dotado de responsabilidade intelectual, eu quero discutir é a cilada do sistema neo-liberal que transformou o valor simbólico do curador independente numa expressão semântica absolutamente vil. Ou seja, o  que a gente pensava que era o curador independente antes é um serviço terceirizado”. E explicou a origem da expressão “independent curator”, cunhada por Harald Szeemann, que inventou para si uma profissão e passou a adaptar as estruturas das instituições às exigências das práticas artísticas, investindo em “intensas intenções” no lugar de “masterpieces”. Ou seja, o curador independente não traria as grandes obras, mas sim estaria comprometido com suas “intensas intenções”. Porém, segundo Lagnado, o curador independente não é nada disso, e sim tem se tornado dependente da situação econômica da instituição a qual trabalha e isso também acarreta numa submissão moral. Referenciando o debate “The next documenta should be curated by an artist?” (2003)  lançado por Jens Hoffmann , Lagnado enfaticamente perguntou a Basbaum: você gostaria de curar a 29a Bienal de São Paulo? Após um “não”, Basbaum afirmou que acha interessante a provocação que Hoffmann faz para que os artistas produzam textos, como no “The next Documenta…”. Porém, “projetos curatoriais”, afirmou, “eu realizei muito poucos”. E citou o caso do Panorama (2001) e experiências na Eslovênia e em Portugal. “Tenho resistência a eventos muito grandes como a Bienal de São Paulo, onde há um formato pouco moldável. Me posiciono mais junto de pequenos projetos, muito específicos, que me intessariam praticar esse papel”. Por outro lado, Basbaum não excluiu a possibilidade de uma eventual colaboração, de uma curadoria que hipoteticamente pudesse ocorrer com uma equipe, mas, devido exatamente ao grau de especulação é muito difícil afirmar qualquer comprometimento hipotético. Basbaum apresentou uma série de trabalhos chamada “Re-projetando”, que para ele é uma série que se aproxima mais da prática curatorial. Ele projeta o desenho/forma NBP, criada por ele e que se repete nos seus trabalhos, em um mapa e descobre nove pontos em que ele passa a realizar ações/eventos diversas, artísticos ou não, por meio de uma prática coletiva e transparecendo as relações institucionais.
nbp2

A forma NBP usada por Basbaum em "Re-projetando"

Em seguida, Basbaum apresentou um outro projeto em que foi co-curador chamado “On difference #2“, em que aconteceu em Stuttgart na Alemanha, onde ele propôs trazer quatro situações que envolvessem os artistas desempenhando papéis como produção editorial, mobilização política, construção de eventos, e pesquisa. A presença dele como curador estava na organização dos projetos mas também na “inserção plástica” no espaço reservado e desenhado para a exposição, uma experiência que Basbaum denominou de ”escultura curatorial”. Uma das últimas perguntas que Lagnado fez para Basbaum continuou o debate a respeito das redefinições das mostras, como a Bienal e o Panorama. Segundo Lagnado, as identidades das mostras tem mudado, “a não ser o Rumos que continua sendo um programa de mapeamento que procura dar visibilidade a artistas que não tem visibilidade, mesmo que às vezes são reencontrados certos nomes que já estão inseridos”, pois eles tem a preocupação com o mapeamento. Lagnado colocou que a exposição sempre depende do curador que vai estar a frente do projeto. Ela é, assim, “uma caixa de ressonância do que o curador pretende colocar no espaço”. “Como esse espaço pode ser social, no sentido de instaurar lugar político e mudar não só o formato da exposição?”, questionou Lagnado. Para responder a essa questão Basbaum usou a palavra “perigo”, sugerida por Lagnado, e “perigo curatorial”. Para ele, no circuito institucionalizado, a figura mais estável é a do curador, no senso comum, o perigo da exposição se atribui ao artista. Porém hoje ocorreria uma inversão, e a mídia só percebe agentes provocadores nos curadores, e “não vemos cuidado em trazer algo do encontro com as obras, e sim com o evento, uma entidade que tem uma dimensão pública mais clara”. Para exemplificar um caso de substituição do curador funcionário pelo intelectual, Basbaum usou o caso do artista David Medalla, que em 2000 fez a London Biennale. A Bienal se consistiu em uma proposição para que qualquer artista do mundo pudesse participar da exposição, bastava enviar três fotografias dele (do artista) com uma  flecha escrito “Bienal de Londres” e junto à estátua de Eros em Londres. Ao longo da Bienal, vários encontros ocorreram na frente da estátua de Eros. “É um evento desburocatizado, que possibilita uma rede a partir de encontros, e vemos que isso acontece a partir da poética do artistas”, concluiu Basbaum. A Temporada de Projetos na Temporada de Projetos também tem sido chamada de “conceitual”, e comparada com a última Bienal, além de já ter sido ‘acusada’ de uma “exposição sem arte”. A possibilidade dos projetos de artistas poderem substituir as obras sempre é colocada como uma pergunta e não uma afirmação, ou seja, o fato é que a princípio realmente não sabemos se é uma “exposição sem arte”. Vale a pena notar também que, diferente de Basbaum, na nossa proposta não se pretende que a prática como artista intervenha plasticamente na curadoria, ou seja, o fato da Temporada de Projetos na Temporada de Projetos ser uma exposição com curadoria de artistas não implica que ela vai ter um aspecto artístico, no sentido de elaborar uma “escultura curatorial”, e sim implica na realização de uma exposição que toma a experiência artística como ponto de partida para a proposta.

Encontro com Fórum Permanente

Já na primeira reunião que tivemos no Paço das Artes, a equipe de produção nos sugeriu entrar em contato com o Fórum Permanente para uma possível parceria na divulgação do evento, afirmando algumas similaridades do nosso projeto com as atividades do Fórum. Após um contato via e-mail com a equipe do Fórum, Martin Grossmann, Ana Letícia Fialho, e Graziela Kunsch, marcamos um encontro no Centro Cultural São Paulo para pensarmos como essa parceria poderia acontecer. No encontro, bastante breve devido à atrasos e problemas no CCSP, falamos sobre o andamento do projeto, e sobre como planejamos os workshops, as palestras, e o site como parte da curadoria. Comentamos o módulo de palestra “Curadores, artistas, etc” em que pensamos os limites entre a atividade curatorial e a prática artística, colocando a própria Temporada de Projetos na Temporada de Projetos em questão. O Martin Grossmann falou sobre a seção “Rede” do site do Fórum Permanente que contém projetos cujas propostas se assemelham às atividades do Fórum. Entre eles está a curadoria OIDAIRADIO, selecionada na última Temporada de Projetos do Paço das Artes. O Martin sugeriu que a Temporada de Projetos na Temporada de Projetos também criasse um espaço na “Rede”. Além disso, a equipe do Fórum nos perguntou sobre os relatores dos encontros que planejamos ao longo da exposição. O Fórum costuma a publicar relatos reflexivos de palestras e debates, o que enriquece o seu arquivo. Explicamos que, por enquanto, nós estamos dando conta dos relatos para este blog, porém, como o número de encontros que irão acontecer nos meses de outubro e novembro são muitos, seria importante contar com outros relatores, e isso o Fórum Permanente poderia organizar e divulgar (porém não custear). Em outra ocasião, nos perguntaram como estava o processo da vinda do Boris Groys para o Brasil e que o fórum tem um registro em vídeo da palestra do groys quando ele veio a primeira vez ao país, em 2006, para participar de um ciclo de debates denominado “Práticas Artísticas Experimentais em Museus?“ na exposição ” Lygia Clark: Do Objeto ao Acontecimento; Somos o molde, a você cabe o sopro”, realizada na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Foi bastante surpreendente descobrir, após o acesso ao vídeo, que a palestra que ele deu na ocasião da exposição sobre a Lygia Clark era justamente o texto “The Loneliness of the project” que ele nos enviou em janeiro de 2009 — ainda mais pelo fato de já termos procurado exaustivamente referências sobre ele na internet e este vídeo nunca ter aparecido.
em: 26/03/2009

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Encontro com Cayo Honorato

O Cayo Honorato, artista e educador, propôs que conversássemos com ele sobre a Temporada de Projetos na Temporada de Projetos” a partir de uma idéia de “invenção artística”. E sugeriu duas entradas:
1. a de que o projeto possa efetuar, se já não o faz conceitualmente, uma redistribuição de poderes em relação a um comum, nos termos do Rancière [Jacques Rancière, filósofo francês], entre selecionados e não-selecionados, curadores e artistas, etc. 2. a de que ele possa articular de algum modo a condição conceitual e a processual das práticas artísticas contemporâneas, na discussão entre projeto e resultado, sobretudo, levando-se em conta a lógica dominante do formato projeto, a informar um tipo particular de produção, talvez em detrimento de outros.
O Cayo achou a nossa proposta bastante relevante e quis saber como ela surgiu. Falamos da ausência de retorno que tínhamos sobre os projetos que elaboramos bem como de uma frustração de quando eles são selecionados. Além disso, explicamos o porquê de termos optado por um projeto de curadoria, apesar de sempre existir uma dúvida de uma “categoria” das coisas que fazemos. O Cayo fez um comentário pertinente a esse respeito, afirmando que são práticas que ainda não têm um lugar específico, e que surgem mas não cabem nesses modelos. O Cayo mesmo lembrou de uma afirmação feita pelo Boris Groys no livro “Art Power“: o novo aparece no mesmo.
Capa do livro Art Power de Boris Groys

Capa do livro "Art Power", de Boris Groys

Falamos também sobre alguns desdobramentos e reações dos artistas e curadores convidados para participar. Sobre as circunstâncias atuais do “pensamento projetual” em geral, o Cayo se referiu a uma “neurose” que se expressa num frequente desacordo entre intenção e realização, vontade e ato, sentimento e acontecimento. Sobre isso, lembramos da conversa que tivemos com o Groys e de uma noção de dissincronia, entre projeto e realização, na qual ele se refere num texto que nos enviou ainda não publicado. Segundo a fala do Cayo, “pro-jetar significa ‘lançar adiante’, o que implica uma decisão inicial e uma indeterminação final”, porém “por vezes nos esquecemos disso, acreditando que o sentido está no fim.” E apontou que “disso decorrem tantos perigos objetivos, mas para ficarmos com uma dimensão apenas do equívoco: segundo Hannah Arendt, ‘nem a liberdade nem qualquer outro significado podem ser jamais o produto de uma atividade humana no sentido de que a mesa é, evidentemente, o produto final da atividade do carpinteiro’ (in: entre o passado e o futuro, p. 113). Enfim, é nesse intervalo deslizante que se move a consecução de um projeto – o que levanta questões políticas e históricas, além de estéticas.” Durante a conversa, outra questão foi debatida a partir da provocação do Cayo: “o modelo de editais e seleção de projetos muda a arte?”. Como essa lógica determina um tipo de arte, privilegiando um tipo de produção? Acreditamos que a pergunta do Cayo é válida e não tem ainda uma resposta satisfatória, mas que pode ser explorarada desde já e também nos encontros que planejamos para a Temporada de Projetos na Temporada de Projetos. De fato existem tipos de produção que se adequam ao formato de projeto facilmente, como os trabalhos de fotografia em que o que geralmente varia entre projeto e obra é o tamanho das fotos. Ou seja, o trabalho pode ser visto claramente no projeto. Comentamos também a exigência dos editais por um formato específico de projeto que de certo modo pode definir algumas características do trabalho. Por exemplo, muitos editais pedem a classificação da obra (pintura, escultura, gravura, fotografia, novas mídias, etc.) ou um dado número de fotos de trabalhos diferentes, coisas que nem sempre todo artista tem claro ou que todo trabalho pode ser adequado. Além disso, os formatos nos quais os projetos são aceitos raramente se estendem para além do texto impresso, sendo que, não poucas vezes, há até limitações no tamanho e tipo do papel a ser usado! Lembramos que falta uma noção mais clara do que é um projeto, qual deve ser o seu escopo, seu objetivo como projeto. Particularmente consideramos que o projeto pode ser encarado como uma proposta inicial, que não necessariamente indica o que vai ser ser feito passo-a-passo. Muitas vezes existe muito tempo entre o momento da elaboração do projeto e a realização dele; ou seja, há muito tempo para que as coisas mudem (bastante). Mas acreditamos que isso não passa de uma consideração particular e que certamente pode ser abordada de muitas outras formas, não só por artistas ou curadores, mas, mais importante, por membros de júris que analisam projetos; que podem, por exemplo, esperar que o projeto seja uma descrição absolutamente fiel do que vai ser realizado quando aprovado (como é esperado em diversas outras áreas de produção humana que envolvem prestação de serviços para um cliente, como, por exemplo, costuma ocorrer na arquitetura). Por fim, em decorrência de uma pensamento que surgiu após o encontro com Milton Sogabe, discutimos a idéia do “novo”, do ineditismo, ou da originalidade, que são, mais do que qualidades, critérios cobrados por esse modelo. Assim, por esse modelo, a arte estaria então atrelada à idéia do novo. As instituições, para sua promoção, querem algo novo bem como também esperam um determinado tipo de produção. E chegamos a um mar sem fim sobre essa idéia. Lembramos do trabalho da Sturtevant, no qual o “novo” está na cópia do “velho”, ou seja, um novo que não é novo; o Cayo lembrou da Sherrie Levine e o seu “After Waker Evans“. Ambas são um exemplo de que o novo aparece no mesmo… Indiferentemente de como o novo surge, parece que ele é mesmo um critério para que haja interesse sobre um trabalho, o que faz da originalidade uma característica que permanece na arte.
em: 18/03/2009

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Encontro com Ligia Nobre

Em quase três horas de conversa numa padaria na Rua Maranhão, em São Paulo, explicamos à Ligia os detalhes do nosso projeto e conversamos sobre como ela poderia atuar no desenvolvimento da expografia. Além de ouvir com muita atenção às nossas colocações e dúvidas, a Ligia deu muitas sugestões, principalmente em relação às pessoas que gostaríamos de envolver no projeto. Ela sugeriu sempre trazer aquelas que estejam “a favor” do projeto, já que, por mais que a intenção seja gerar o debate — e ele normalmente ser fruto das discordâncias entre as pessoas — ele não se torna saudável se a discordância for com o próprio projeto.
O Atomium, é o local onde ocorreu o projeto The Baudouin/Boudewijn Experiment de Carsten Höller

O Atomium, é o local onde ocorreu o projeto "The Baudouin/Boudewijn Experiment" de Carsten Höller

Em seguida, foi a Ligia quem contou mais sobre sua trajetória. Se formou em arquitetura pelo Mackenzie, mas sempre manteve um forte interesse em arte. Esse interesse levou ao seu envolvimento em projetos como o Arte/cidade, bem como a criação do exo experimental, que teve um importante papel na introdução de programas de residências no Brasil e de debates interdisciplinares. Em estadias na Europa trabalhou em projetos de Carsten Höller, Boris Groys e Raqs Media Collective. Depois de longo período fora, retornou ao Brasil recentemente para, entre outros, o desenvolvimento de um projeto em São Paulo com os arquitetos Herzog&DeMeuron. Em relação ao “exo”, que consideramos um projeto que teve importantes conquistas no pensamento interdisciplinar, explicamos a ela que, embora exista — desde a nossa proposta inicial — uma vontade de dar à exposição um caráter mais interdisicplinar, ainda não conseguimos desenvolver um módulo de palestras que tivesse essa abordagem. De volta às características específicas da exposição, conversamos também sobre a intenção de criar um espaço dinâmico, que fosse transformado — e transformável desde a sua concepção — ao longo do período da exposição. Além dos croquis que elaboramos para o projeto inicial, levamos para ela algumas referências de como poderia ser esse espaço, como as instalações elaboradas pelo projeto “curating degree zero” e a exposição “Section 7 Books“. No que se refere à participação dela na construção do espaço expositivo, consideramos que, como arquiteta, ela também estaria elaborando um projeto — o projeto expográfico — e assim gostaríamos também que ela falasse sobre esse projeto em um dos encontros, ou seja, encarando desde já a possibilidade de tematizar, dentro do contexto da produção de projetos, o projeto expográfico como um “projeto”. Ela já havia se interessado pela nossa proposta tanto pelo posicionamento crítico que ela identificava no projeto como pela origem dele; então a possibilidade de atuar, nesse meio, como arquiteta — posição que ela nunca chegou a exercer plenamente nessa área — a atraiu e ela disse que consideraria o convite.
em: 24/01/2009

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Encontro com Boris Groys

Fotografia de um poste em Karlsruhe com poster da exposição "Medium Religion" ao lado de poster de feira erótica.

Fotografia de um poste em Karlsruhe com poster da exposição "Medium Religion" ao lado de poster de feira erótica.

Fomos ao ZKM (Zentrum für Kunst und Medientechnologie), em Karlshure, Alemanha, onde ocorria uma exposição organizada pelo curador, crítico e filósofo alemão Boris Groys, chamada “Medium Religium“. A exposição foi inspirada em um vídeo realizado pelo Groys, também chamado “Medium Religium”, que se encontrava exposto entre as obras. Usando exemplos de vídeos de propaganda religiosa e de trabalhos de artistas contemporâneos a exposição busca demonstrar o aspecto midiático das diversas religiões existentes hoje. Fizemos uma visita rápida à exposição pois havíamos marcado um encontro com o Professor Groys e chegaríamos atrasados se tivéssemos visto tudo com calma. No lobby central do ZKM, as 15h00 de um sábado, encontramos com o Professor Groys. De porte grande, olhos azuis, cabelos grisalhos suavemente arrumados em um topete, e vestindo um blazer sobre uma camisa. Logo ao nos conhecer a reação foi de surpresa, provavelmente ao ver que somos realmente jovens, já que foi a primeira vez que nos vimos e talvez ele estivesse esperando curadores, digamos, mais “curadores”. Depois de uma breve apresentação, ele nos convidou — e aceitamos — para uma visita à exposição. A atendente da bilheteria nos devolveu os €uros que havíamos pago para ver a exposição pela primeira vez e nós seguimos o Professor Groys. No caminho para a exposição, pelos longos e espaçosos corredores do ZKM, ele nos contou sobre a origem do ZKM, em 1989, onde ele também é professor. Na visita — ele foi nos guiando começando pelo o que ainda não havíamos visto — Groys comentou os trabalhos que achava mais relevantes. Nos contou um pouco sobre o processo da seleção dos trabalhos, que havia começado há muitos anos quando ele trabalhava numa instituição em Israel. Ele também comentou sobre o largo escopo de participantes da exposição, que incluía não só trabalhos de artistas de renome internacional, mas também um seu, de outros intelectuais, de alguns de seus estudantes e também de “não”-artistas. Ficamos surpresos em saber que foi nessa exposição que o artista Gregor Schneider teria a oportunidade e apoio legal para executar o trabalho em que um voluntário morreria na exposição, mas Schneider acabou entrando na seção de documentação da exposição com outro projeto. Após a visita à exposição sentamos com o Groys para tomar um café e conversar sobre a Temporada de Projetos na Temporada de Projetos. Já que ele confessou não ter lido a versão em inglês que lhe enviáramos por email há alguns dias, contamos detalhadamente o projeto. Ele ficou interessado e disse que havia escrito um texto sobre a elaboração de projetos que ele imaginava se relacionaria muito bem com a nossa proposta. Um dos primeiros comentários sobre nossa proposta que ele esboçou foi um aspecto que ele chamou de “crueldade” da nossa parte, já que não deixaríamos os artistas “perderem” aquilo que queriam, estaríamos negamos o direito dos artistas de “falharem”. Lembrou-se de uma pesquisa de opinião pública na qual norte-americanos de classes baixas recusavam uma proposta da então candidata a presidente Hillary Clinton segundo a qual os cidadãos mais abastados pagariam mais impostos para serem revertidos em planos de saúde aos mais pobres. De acordo com Groys, a pesquisa apontava que as classes mais baixas, numa curiosa inversão, recusava a proposta ao considerar um cenário hipotético em que eles se tornassem mais ricos e então tivessem que pagar aos membros de sua classe anterior. A questão se torna complexa pois de uma projeção futura irreal surge um descontentamento com uma situação presente e real. Dentro desse contexto, Groys levantou a possibilidade de algumas recusas a participação na Temporada de Projetos na Temporada de Projetos se darem pelo desconforto que um aceite poderia gerar nos artistas selecionados. Em seguida, sobre a idéia do fracasso, afirmou que acredita que o projeto que falha pode ser até mais interessante que o projeto realizado, pois quando realizado o processo acaba e é “engolido” pelo produto, resume-se apenas ao produto final. O projeto que falha, segundo ele, tem o valor do processo (coisa que realmente sobra). Complementou dizendo ainda que a vida das pessoas é um projeto que falha, pois ela termina na morte, e assim deveríamos pensar a vida como processo e não como os produtos gerados por ela*. Citamos algumas reações que apareceram ao projeto por parte dos artistas convidados para participar da Temporada de Projetos na Temporada de Projetos e ele sugeriu que publicássemos nosso diálogo com esses artistas pois seria um material muito rico para entender o processo. Após falarmos desse que acreditamos ser o modelo de produção artística brasileira, mediado por salões de arte, Groys nos falou da situação dominante nos EUA e da Europa, onde os artistas tomam uma de duas direções — ou seguem um de dois modelos — básicas e bem contrastantes: o mercado de arte (venda de obras, muito mais freqüente nos EUA) e o “scholarship” (sistema de bolsas, residências, e outros tipos de incentivos para formação). Quando falamos da intenção de realizar encontros dentro da exposição e, através deles, explorar formatos diferentes de palestras Groys comentou sobre a sua pesquisa nessa área e compartilhou o nosso descontentamento com esse formato fechado e difundido palestrante-microfone-mediador-público. Por fim, o Groys sugeriu que falássemos com Anton Vidokle, já que ele também se interessaria muito pelo nosso projeto. No dia seguinte Groys nos enviou um texto bastante reflexivo sobre a vida entre projetos: “The loneliness of the project”. [*] – Groys nos presenteou com o vídeo de sua autoria “Thinking in Loop” que busca pensar o filme como mídia. Uma das questões interessantes que ele trata é a relação com a noção de imortalidade, afirmando que as pessoas planejam (projetam) suas vidas para deixarem um legado após a morte; e também que a vida dos objetos de arte dentro dos museus é uma vida após a morte.