Formato ‘palestra’
Começamos, como sempre fazemos, explicando o projeto, suas origens e objetivos. Como estavamos fazendo um convite ao Basbaum para que participasse da plataforma que chamamos de “palestras”, tentamos explicar que usamos esse nome apenas por falta de um nome melhor. Isso pois nos interessa pensar o formato desse tipo de comunicação, o que significa que pedimos aos convidados que reflitam sobre ele também e tragam propostas de como abordá-lo que se adequem o quanto melhor aos seus próprios perfis.
Qualquer que seja a escolha de formato, a única coisa que deixamos claro que não teremos são ‘leituras de textos’ realizadas pelos palestrantes, o que costuma acontecer muito em seminários e simpósios. Estamos pedindo aos convidados que escrevam textos, mas para que sejam publicados no site antes que o encontro aconteça, com o intuito de que o encontro já possa partir do texto e começar com a discussão que costuma acontecer após a leitura. Outro padrão que gostaríamos de evitar é o da organização palco-platéia, no qual a quem fala lhe é instituído o ‘direito de falar’ por meio de uma hierarquia definida pelas condições físicas (palco, stand, etc.) ou a posse de um determinado equipamento (o microfone, a câmera, etc.).
Basbaum se mostrou muito interessado nessa abertura e contou sobre suas experiências anteriores em explorações de formatos, para os quais
Vito Acconci e
John Cage foram referências. Numa, em um evento em Belo Horizonte, ele realizou uma apresentação na qual praticava alternadamente duas falas diferentes, sendo uma em uma mesa em um tom e outra, numa mesa ao lado, em outro tom; numa ele comentava informalmente alguns trabalhos seus e em outra lia alguns de seus textos.
Ele também se interessou em explorar configurações espaciais, com demarcações no chão ou mesmo por meio da organização das cadeiras. De qualquer forma, lhe interessaria que essas demarcações não inibissem a fala dos outros, não fossem mirabolantes, pelo contrário, lhe interessa criar uma proximidade e informalidade do contato.
Outras possibilidades levantadas foram a de ter textos enunciados por outras vozes e também utilizar recursos de sonorização como tipos diferentes de microfone, terminar com o texto ao invés de começar com ele, ou mesmo determinar uma organização espacial com a presença de mais de um microfone. De qualquer forma Basbaum se mostrou bastante interessado pela possibilidade de mostrar algo num evento cujo formato é maleável, para o qual o convite de participar vai além de um interesse no texto do participante ao considerar também o modo da fala.
Artista-etc.
Conversamos um pouco também sobre o conceito de artista-etc. Basbaum nos esclareceu que essa idéia não pretende sugerir que o artista possa ser um “multi-profissional”, ou seja alguém que transita por várias práticas de forma desligada. Pelo contrário, para ele o artista-etc é uma estratégia adotada pelo artista, que, na condição de artista, assume outros papéis e demarca dentro deles qual é o lugar do artista (que não se limita ao ateliê, por exemplo). De uma maneira mais genérica, isso é dizer que ser artista é suficiente para poder desempenhar qualquer outro papel, pois o artista tem flexibilidade para atuar no processo que quiser, já que seu lugar dá conta de todos eles.
Segundo Basbaum há cinco textos seus que dão corpo ao conceito de artista-etc e formam um conjuto de pensamento sobre o assunto:
1 –
Seminário na 27ª Bienal de São Paulo, sobre o artista belga Marcel Broothaers.
2 – “Artista como curador”, texto publicado no
catálogo do Panorama do MAM de 2001.
3 – “E agora?”, texto publicado na
revista Arte & Ensaio, n. 9, de 2002, que fala sobre a revista Item e o espaço Agora.
4 – Um depoimento seu em um evento no
CEIA em Belo Horizonte, disponível
aqui.
5 – Texto da “
The Next Documenta Should be Curated by an Artist“.
NBP
Quando falamos sobre o
NBP, Basbaum deixou claro que se trata de um projeto. Como a idéia se expressa, de um modo ou de outro, há mais de 20 anos em vários de seus trabalhos, o todo forma um grande processo no qual um trabalho se alimenta no anterior e cresce na medida em que novas explorações são realizadas. Além de ser um grande projeto é também um projeto que não tem fim. Comentamos que isso gera, para o público, uma carência de informação (o conhecimento de todo esse processo). Basbaum replicou dizendo que não acredita que seja ele que tenha que prover essa informação, já que esse tipo de lacuna é estrutural, não está só no trabalho dele e também faria (e faz) com que uma determinada produção não possa caminhar, o que significa que se for internalizada obriga a produção a estar sempre na estaca zero, e por isso mesmo tem que ser superada (para que a produção se desenvolva).
Sobre a sua
exposição na galeria Luciana Brito, Basbaum contou que seu trabalho sempre foi muito independente das galerias, mas que isso nunca foi uma escolha ou posicionamento ideológico seu, aconteceu simplesmente pois não existia interesse em seu trabalho por parte dos galeristas e ele não se sentia na obrigação de formatar sua produção para que eles se interessassem, já que conseguia a relação com as pessoas que se bastavam (em projetos como “eu-você”). Sua maneira de trabalhar já se configurava distante do mercado desde a década de 80, quando ele fazia um trabalho que diferia muito do mainstream da época (i.e. a pintura, que ainda é considerada por muitos como a única produção de então) e quando, segundo ele, o mercado era muito agressivo e tacanho.
Joaquin Torres García - "América invertida"
Imagem para o SITAC 2009, criado por Ricardo Basbaum
Nesse ponto, ele mencionou sobre a sua relação com os profissionais de outros países, fora do Brasil, com os quais, por motivos que ele disse desconhecer, já conseguiu desenvolver vários projetos. Basbaum mencionou o simpósio
SITAC 2009, “South, south, south, south”, para o qual
Cuauhtemoc Medina o convidou para criar um diagrama para ser um emblema do evento. O diagrama tomaria como referência o mapa de
Torres García e representaria o pensamento do evento. Segundo Basbaum até o próprio Medina se espantou quando soube que era a primeira vez que ele era convidado para uma contribuição desse tipo, algo que Basbaum tentou explicar dizendo que os olhares de fora são mais generosos e possibilitam outras oportunidades, sem a tendência de cristalizar uma determinada posição para que os profissionais ocupem, como ocorre na origem onde se assume uma prática (o lugar onde se vive).
Basbaum também comentou sobre as diferenças no tempo de retorno para os trabalhos. Segundo ele há no Brasil uma latência muito grande, uma demora entre o momento em que uma obra é realizada (apresentada) e o momento em que ela gera alguma resposta, recebe um retorno. Essa latência não existe na Europa ou nos EUA, o que torna o trabalho no Brasil muito cruel em relação ao que é realizado lá onde o tempo é diferente e as coisas se realizam de modo mais direto. No Brasil é necessário aprender a ser artista e trabalhar num nível muito alto de abstração, lidar sempre com a possibilidade de frustração e evitar ao máximo criar um rancor em relação a tudo o que se espera (das obras, dos pares, do meio, etc.) e ter consciência que as estruturas existentes não dão conta de absorver (ou demandar) a produção, não é suficiente atuar somente no mercado, na galeria. Esse modo de trabalhar muitas vezes não é compreendido por quem vive e atua no eixo EUA-Europa.
Economia de projetos
Mesmo com as experiências no Brasil e no exterior, Basbaum comentou que existe, de um modo geral, uma economia de projetos que alimenta o circuito hoje, como uma espécie de mais-valia imaterial por meio da qual as instituições se alimentam da promessa de que os artistas trabalham de graça. Ele chamou a atenção para que comparemos a economia da arte contemporânea com a do cinema ou a da música popular, vendo que a da arte é muito estranha e arcaica, sendo muito complicada de lidar ou mesmo intervir. Ele comentou três casos pessoais específicos: o da
Documenta de Kassel, o da sua relação com a galeria e o de sua participação em um evento de palestras dentro de uma instituição que funciona com dinheiro da iniciativa privada (uma grande empresa).
No primeiro caso, o da Documenta, o espantoso é que não há cachê para os artistas participantes. O que acontece é que a cidade ganha com o turismo, o comércio ganha com o aumento das vendas e assim por diante. Mas às pessoas que impulsionam tudo aquilo se dá só a subsistência (passagens de avião, hospedagem).
No segundo caso, só se ganha quando há venda. Mesmo assim existe toda uma economia que gira em torno da produção e apresentação da obra e para a qual não há acesso do artista se a venda não se efetivar. Os montadores ganham, os administradores da galeria ganham, secretários e secretárias ganham, quem aplica o vinil na parede ganha, até os garçons que servem bebidas na vernissage e os fotógrafos ganham. Mas o artista vive na promessa da venda, trabalha de graça e sem nenhuma remuneração pelo trabalho já feito.
Finalmente, no último caso, há uma pequena remuneração, mas acontece que a contrapartida para quem investe é imediata e muito poderosa, um ganho em imagem (propaganda). Segundo ele, havia muitas pessoas no evento, que era gratuito para o público, além de toda a divulgação na imprensa e qualquer futura referência que se faça a ele, já que todo o material ligado a ele (distribuido gratuitamente) carregará a marca do patrocinador. Basbaum comentou que até pensou em contratar um economista para calcular qual o ganho de imagem que um investidor ganha em um evento desses e quanto de lucro uma ação como essa representa em relação a um outro tipo de investimento em imagem (numa ação como a publicidade tradicional, por exemplo).
Para concluir este
post, aqui está um texto ilustrativo que a artista Lenora de Barros nos enviou (não sabemos a origem exata, mas pode ser
encontrado aqui):
“De qué viven los artistas?
Toda exposición de carácter institucional se organiza en torno a la obra realizada por un artista. En su organización participa toda una serie de personas necesarias para llevarla a cabo: transportistas, montadores, seguridad… pero:
¿Cobra el transportista? SÍ
¿Cobra el montador? SÍ
¿Cobra el vigilante? SÍ
¿Cobra el artista? NO
El trabajo de los artistas no se remunera porque se considera que su participación en la exposición contribuirá notablemente a su promoción, pero también se promocionan los comisarios, diseñadores y sobre todo la propia institución. Pero:
¿Cobra el comisario? SÍ
¿Cobra el diseñador? SÍ
¿Cobra el funcionario? SÍ
¿Cobra el artista? NO
Un artista, mediante su participación en una exposición institucional, contribuye con su trabajo a construir políticas culturales, igual que el catedrático contribuye a crear políticas educativas, el médico de la Seguridad Social sanitarias o el inspector de hacienda económicas, pero:
¿Cobra el catedrático? SÍ
¿Cobra el médico? SÍ
¿Cobra el inspector? SÍ
¿Cobra el artista? NO
Luego entonces… ¿De qué viven los artistas?”